Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos Jornalista (MT/SC 4155)
Primeiramente, em um Brasil marcado por desigualdades e pela luta constante dos artistas populares para manterem vivas as expressões culturais autênticas, poucas figuras se destacam com a luminosidade de Mary Terezinha. Mulher, gaúcha, acordeonista e resistente, ela fincou sua identidade no coração do povo como símbolo da arte que nasce da terra, da dor e da esperança. Sua trajetória atravessa décadas de desafios sociais e políticos, e seu legado resiste como um dos pilares da música popular de resistência no país.
Nascida em 1945, no interior do Rio Grande do Sul, Mary Terezinha foi desde cedo envolvida pela musicalidade regional. Cresceu em um ambiente onde a sanfona era mais que um instrumento: era extensão da alma do gaúcho, capaz de traduzir em som as alegrias das festas populares e as tristezas da vida dura no campo. Seu talento logo se revelou precoce. Ainda menina, aprendeu a manejar o acordeom com precisão e paixão, desafiando o estereótipo que via o instrumento como domínio exclusivo dos homens. Na juventude, já se apresentava em bailes e festivais, sempre rompendo barreiras e abrindo espaço para outras mulheres musicistas no cenário sulista.
No entanto, seu encontro com o músico Teixeirinha modificaria os rumos de sua vida. Juntos, formaram uma das duplas mais emblemáticas da música popular brasileira nos anos 1960 e 70. Enquanto ele entoava letras carregadas de emoção e narrativa, Mary criava uma harmonia inconfundível com sua sanfona, imprimindo força e delicadeza às canções. A cumplicidade musical entre ambos rendeu sucessos como "Coração de Luto", "Gaúcho de Passo Fundo" e tantas outras que cruzaram o país em discos de vinil, filmes e apresentações. Ela não era apenas acompanhante: era parte central da criação artística e da identidade sonora que emocionou multidões.
Todavia, sua sanfona seguiu sendo um instrumento político. Ao tocar, Mary comunicava mais do que melodia — denunciava desigualdades, exaltava o povo simples, dava voz às mulheres do campo, às mães solo, às trabalhadoras esquecidas. Sua arte era denúncia e consolo. Não era apenas uma instrumentista virtuosa; era, e segue sendo, uma musicista do povo. Isso se nota nos registros vivos de suas performances, em programas de rádio, televisão e nos proscênios improvisados das periferias urbanas e rurais. Mary Terezinha nunca se afastou do chão de onde veio.
Destarte, na velhice, recebeu homenagens modestas, mas sinceras, de quem compreendeu seu papel na construção de uma música brasileira legítima. Nunca buscou fama deslumbrante, mas conquistou o respeito duradouro de gerações. Sua história virou livro, documentário, objeto de estudo. Mais do que uma artista, Mary tornou-se símbolo. Representa todas as mulheres que lutaram para cantar, tocar e viver de sua arte em um país que muitas vezes as quis caladas.
Hoje, seu nome ecoa como referência obrigatória quando se fala da sanfona no Brasil, sobretudo da perspectiva feminina. Em tempos em que a memória cultural sofre com o esquecimento e o consumo rápido, lembrar e exaltar Mary Terezinha é um ato de justiça. Sua sanfona não silenciou: ela continua ecoando nos corações dos que reconhecem na música popular uma forma legítima de resistência, de ternura e de afirmação de identidade.
Em epítome, Mary Terezinha se constitui em musicista do povo. E este não olvida quem cantou sua dor, sua alegria e sua luta com tanta verdade. Sua história segue viva, pulsante, como os acordes firmes que arrancava da sanfona com mãos calejadas e alma fervorosa.
Por final, o seu óbito restaura a lembrança popular.
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