logo RCN
O TEMPO jornal de fato

ANTROPOLOGIA ECONÔMICA

Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos Jornalista (MT/SC 4155)

Em primeiro lugar, a Antropologia Econômica se configura em subárea de estudos que emerge na confluência entre a Antropologia e a Economia, oferecendo uma abordagem crítica e contextualizada das práticas econômicas dentro das sociedades humanas.

Diferentemente da economia clássica, que tende a modelar comportamentos a partir de pressupostos universalizantes como a racionalidade do “homo economicus”, a Antropologia Econômica volta-se para as formas pelas quais diferentes culturas organizam, percebem e vivenciam os processos de produção, troca, consumo e distribuição de bens. Nesse sentido, ela se distancia das abstrações teóricas da economia neoclássica e privilegia uma compreensão empírica e situada da vida econômica, reconhecendo que as práticas materiais estão profundamente enraizadas em sistemas simbólicos, relações sociais e normas culturais.

Destarte, a origem da Antropologia Econômica remonta às primeiras décadas do século XX, com contribuições marcantes de autores como Bronislaw Malinowski e Marcel Mauss. Malinowski, por meio de seu trabalho de campo nas Ilhas Trobriand, revelou que a troca de colares e braceletes entre os nativos (o sistema Kula) não seguia uma lógica de maximização de lucros, mas sim uma lógica simbólica e social, voltada à construção de alianças e à manutenção do prestígio. Já Marcel Mauss, em sua obra "Ensaio sobre a Dádiva", desafiou as ideias liberais sobre o mercado ao demonstrar que, em muitas sociedades, a troca não é apenas econômica, mas também moral, política e religiosa.

Esses estudos inauguraram uma tradição antropológica que busca compreender a economia não como uma esfera separada da vida social, mas como uma dimensão intrinsecamente interligada a outros aspectos da existência humana.

Por conseguinte, ao longo do século XX, a Antropologia Econômica desenvolveu-se em meio a debates intensos, sobretudo entre duas grandes correntes: substantivistas e formalistas. Os formalistas, influenciados pela economia clássica, argumentavam que os conceitos econômicos, como escassez, escolha e racionalidade, podiam ser aplicadas universalmente a todas as sociedades.

Já os substantivistas, com destaque para Karl Polanyi, sustentavam que a economia, em contextos não ocidentais, deveria ser entendida em seus próprios termos culturais, uma vez que os mecanismos de integração econômica — como a reciprocidade, a redistribuição e o mercado — variam amplamente conforme o contexto histórico e social. Polanyi enfatizou que o mercado autorregulado é uma construção histórica específica do capitalismo moderno, e que, em muitas sociedades, os vínculos sociais e as instituições tradicionais moldam de forma determinante o comportamento econômico.

Destarte, nos dias atuais, a Antropologia Econômica expandiu seu escopo para abarcar uma ampla gama de temas contemporâneos, como o neoliberalismo, o consumo global, as economias informais, o trabalho digital, o endividamento e a financeirização da vida cotidiana. Antropólogos têm investigado como o capitalismo se manifesta em contextos locais, como é apropriado, resistido ou reinterpretado por diferentes populações.

À guisa de exemplo,  o conceito de "moralidades econômicas", por exemplo, tem ganhado destaque ao reconhecer que as decisões econômicas são permeadas por valores éticos, afetos e obrigações sociais. Um exemplo significativo disso é o trabalho de Viviana Zelizer, que demonstrou como as pessoas não apenas se submetem às lógicas do mercado, mas as negociam, adaptam e ressignificam com base em suas relações pessoais e compromissos afetivos.

A pesquisa antropológica também tem iluminado práticas econômicas que desafiam as categorias tradicionais da economia ocidental. Experiências como moedas sociais, bancos comunitários, economias solidárias e práticas de mutualismo revelam a diversidade de formas econômicas que coexistem com o capitalismo.

Essas experiências, muitas vezes marginalizadas pelos modelos macroeconômicos tradicionais, demonstram que há uma multiplicidade de formas de organizar a vida material, e que o mercado capitalista não é nem natural nem inevitável. A Antropologia Econômica, nesse sentido, atua como uma ferramenta crítica de desnaturalização das estruturas econômicas dominantes, ao mesmo tempo em que aponta para possibilidades alternativas e plurais de convivência econômica.

Outro ponto central da Antropologia Econômica contemporânea é a análise das intersecções entre economia, poder e desigualdade. Estudos recentes têm investigado como as transformações econômicas globais afetam desigualmente grupos sociais, intensificando vulnerabilidades de gênero, classe, raça e etnia.

A crítica ao desenvolvimento, por exemplo, mostra como muitas iniciativas econômicas, ainda que travestidas de neutralidade técnica, carregam interesses políticos e perpetuam relações coloniais. Antropólogos têm mostrado como discursos sobre empreendedorismo, meritocracia e mobilidade social são mobilizadas para justificar a precarização do labor e o desmonte de direitos sociais, sobretudo em países periféricos.

Destarte, a Antropologia Econômica se posiciona como um campo comprometido com a justiça social, capaz de revelar as contradições e tensões do mundo econômico contemporâneo.

Em última análise, cumpre destacar que a Antropologia Econômica nos convida a repensar o próprio conceito de economia. Ao invés de reduzi-la a uma ciência da escassez ou ao estudo do mercado, ela propõe vê-la como um fenômeno social e cultural, cuja forma e conteúdo variam historicamente.

Tal perspectiva exige uma abertura epistemológica e metodológica, que valorize o trabalho de campo, a escuta etnográfica e a análise das experiências concretas das pessoas em suas interações cotidianas com o mundo material. A economia, longe de ser uma esfera isolada, é vivida, interpretada e negociada nas relações sociais, nas práticas culturais e nos discursos políticos.

Em epítome, a Antropologia Econômica constitui-se em campo fundamental para a compreensão crítica das dinâmicas econômicas em sua pluralidade. Ao desafiar as premissas da racionalidade universal e ao revelar a diversidade de formas de organizar a vida material, ela amplia nossa capacidade de imaginar futuros econômicos mais justos, inclusivos e sustentáveis.

Por final, em um mundo cada vez mais marcado por crises econômicas, desigualdades crescentes e transformações tecnológicas aceleradas, essa abordagem torna-se não apenas relevante, mas urgente.

O TEMPO jornal de fato desde 1989: 

https://chat.whatsapp.com/IvRRsFveZDiH1BQ948VMV2

https://www.facebook.com/otempojornaldefato?mibextid=ZbWKwL

https://www.instagram.com/invites/contact/?igsh=4t75lswzyr1l&utm_content=6mbjwys

https://youtube.com/@otempojornaldefato?si=JNKTM-SRIqBPMg8w  


“Deus” e fé são coisas diferentes Anterior

“Deus” e fé são coisas diferentes

O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Próximo

O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Deixe seu comentário