A pílula que não cura câncer

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Mario Eugenio Saturno - Mario Eugenio Saturno
Mario Eugenio Saturno é Tecnologista Sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano.
A chamada pílula do câncer virou sensação nas redes sociais pelo alegado poder de cura e suposto boicote farmacêutico. A fosfoetanolamina sintética foi desenvolvida há mais de 20 anos pelo químico e professor do Instituto de Química de São Carlos Gilberto Chierice, hoje aposentado. Observou-se alguma ação antitumoral da substância em células e em camundongos. Acreditando ter achado uma cura para o câncer, passou a distribuiu pílulas da substância gratuitamente para pacientes durante anos, sem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sem verificar-se a eficácia, a quantidade necessária, o tempo de aplicação e, principalmente, a toxicidade do remédio. E é isso que o público não quer entender, e falamos de gente com diploma de nível superior.
Em 2014, o Instituto de Química parou de fabricar e entregar a fosfoetanolamina, mas muitos pacientes conseguiram liminares para manter o tratamento. Depois de duzentos pedidos, o Instituto recorreu em setembro de 2015 ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que suspendeu as liminares. Dias depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou o acesso à substância.
No final de outubro, o Ministério da Saúde criou um grupo de trabalho para estudar a fosfoetanolamina e em novembro, o Ministério da Ciência e Tecnologia anunciou o investimento de R$ 10 milhões em pesquisa para descobrir o potencial para tratar o câncer.
Para que qualquer remédio entre no mercado tem que passar por algumas fases de teste. Inicia-se com a chamada Fase Pré-Clínica, em que as drogas são testadas em animais, se for tóxica ou não funcionar, ela nem é testada em humanos. Na Fase 1, o teste é feito com algumas pessoas saudáveis para se verificar se a substância é segura, sem verificar a eficácia. Na Fase 2, uns poucos voluntários recebem a droga. Na Fase 3, o teste é feito em muitas pessoas, buscando avaliar a eficácia da droga. Após a comprovação da eficácia, o medicamento pode obter a licença para a produção e comercialização.
Pois é, a miraculosa droga fosfoetanolamina não passou no primeiro teste. A primeira constatação foi que a fosfoetanolamina fabricada no Instituto de Química não é pura, descobriu-se que há cinco componentes na cápsula. E outro ponto preocupante é que as cápsulas não tem a mesma quantidade de substância, em 16 amostras, a quantidade variava de 233 miligramas a 368 miligramas, enquanto o rótulo indicava que deveria ter 500 mg por cápsula. Ou seja, o processo de fabricação parece ser artesanal, indigno de um laboratório da USP.
Então, verificou-se que a fosfoetanolamina não tem atividade contra o câncer. Outra substância presente é a monoetanolamina, essa sim apresentou capacidade de reduzir a proliferação de células cancerígenas. Mas a substância tem atividade menor do que a apresentada por substâncias já usadas. O Ministério da Ciência e Tecnologia informou que mesmo com estes resultados preliminares, continuarão com os testes com animais de pequeno porte.
Para piorar, no último 22 de março, em menos de um minuto e sem qualquer discussão, o plenário do Senado aprovou o projeto de lei que libera o uso de fosfoetanolamina para pacientes diagnosticados com tumores malignos. Assim como aconteceu na Câmara. Segue para a sanção da presidente Dilma.
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