Corrupção e bandalheira com o dinheiro público
ANALISTA POLITICO SEVERINO LAVANDOSCKI
O Brasil apresenta progressos na capacidade de detectar irregularidades na aplicação de recursos públicos, mas ainda tem imensas dificuldades em combater a corrupção na administração pública e punir culpados. Os órgãos fiscalizadores governamentais, em especial o Tribunal de Contas da União, assim como a imprensa, tem desempenhado um papel fundamental na identificação de vícios comportamentais da classe política brasileira. O que falta é conseguir implementar mecanismos que facilitem a prevenção e que permitam punir os culpados pelas ilegalidades cometidas.
As notícias das últimas semanas demonstram que está disseminada no país uma cultura de corrupção que atinge estruturas partidárias. Partidos políticos da base aliada aparelham órgãos públicos e estabelecem práticas de desvio de bens em favor de uma minoria dirigente das legendas.
Dirigentes do Partido da República (PR) foram acusados de cobrar propina para beneficiar empreiteiras em processos licitatórios no Ministério dos Transportes. No Ministério da Agricultura, a denúncia partiu de Oscar Jucá Neto, irmão do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), que, em entrevista à revista Veja, declarou que haveria um suposto esquema de corrupção para desviar recursos ao PMDB e ao PTB. Curiosamente, Jucá Neto proferiu as declarações após ter sido demitido da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) sob a acusação de liberar pagamentos irregulares da monta de R$ 8 milhões a uma empresa cujos sócios seriam “laranjas”. E no Ministério das Cidades, segundo reportagem da revista Istoé teria ocorrido liberação de recursos para obras classificadas como irregulares pelo TCU para empreiteiras que doaram cerca de R$ 15 milhões a campanhas eleitorais do PP.
Como se vê, denúncias tornaram-se comuns na chamada “democracia de coalizão” - na qual o partido que governa não possui a maioria e precisa partilhar poder com diversos partidos aliados. A partilha de poder, entretanto, sofre revés com denúncias de apropriação de recursos públicos por grupos políticos para fins privados. Fragiliza-se.
Nesse contexto, a conduta da presidente Dilma Rousseff tem sido exemplar até agora, ao remover de sua administração políticos acusados de terem cometido irregularidades. Espera-se que sua determinação em remover quadros político-partidários envolvidos em suspeitas permaneça firme e que não seja afetado por uma racionalidade prática que foi a marca do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Lula preferiu manter apoios políticos a seu governo, tentando minimizar acusações de ilegalidades na administração de recursos públicos.
Mas só a boa vontade de Dilma não basta. A implantação de uma cultura de transparência pública precisa definitivamente ser levada a cabo. Mecanismos que assegurem verdadeiramente a transparência facilitariam o controle social da aplicação de recursos públicos, a investigação de desvios de conduta em processos licitatórios e a percepção de desvio de recursos e de cometimento de outras irregularidades. A criação de mecanismos punitivos eficazes deveria ser também uma preocupação presente na agenda pública. Pois a existência de meios coercitivos eficazes pode, em longo prazo, ter efeito educativo.
Enquanto medidas corretivas de rumo não são aplicadas, entretanto, a sociedade assiste a inacreditáveis cenas no palco público, como o retorno do senador e ex-ministro dos Trans¬¬portes Alfredo Nascimento (PR), a protestar no plenário do Senado que “O PR não é lixo para ser varrido da administração”. A manifestação de Nascimento marcou a decisão, por ora, de ruptura do PR com o governo.
Impressiona a capacidade de dirigentes partidários em se afirmarem “ultrajados” com demissões por estarem sendo acusados de cometerem ilegalidades na gestão da coisa pública. O afastamento em casos de denúncias deveria ser a regra. Comprovando-se a lisura dos atos do político afastado, nada impediria que retornasse à função que exercia. Isso faz parte de uma visão republicana de governo, e não essa prática negocial que grupos políticos vêm conduzindo.
Nesses momentos é sentida a falta de uma oposição com um projeto bem delineado para o país. Em vez de aproveitar as circunstâncias postas apenas para faturar politicamente. Em vez de querer meramente investigar as denúncias expostas a público, o momento deveria ser aproveitado para a implantação de medidas que impeçam a disseminação de uma cultura pública favorável à corrupção.
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