É BOM SABER...
CALÚNIA
De todas as potências do corpo humano, a língua será talvez aquela que mais nos reclama vigilância.
Por ela, irradia-se o mel de nossa ternura, mas também, através dela, derrama-se-nos, o fel da cólera.
Muitas vezes, é fonte que refresca e muitas outras é fogo que consome.
Sou uma das vítimas da língua, pois hoje no plano espiritual, sofro as consequências da má administração de instrumento que me poderia ter sido muito útil e que tornou-se causa da minha derrocada. Determinam nossos amigos espirituais vos ofereça minha história.
Há quase trinta anos, nossa família, chefiada por pequeno comerciante, no Rio de Janeiro, era serena e feliz. Em casa éramos em quatro: meus pais, eu e meu irmão Afrânio. Entre meu irmão e eu, contudo, surgiam antagonismos irreconciliáveis. Afrânio era a bondade, eu a maldade oculta. Meu irmão era brandura, eu a crueldade... Nele aparecia a luz da franqueza aberta, eu escondia em mim a mentira torpe.
Nos nossos vinte e poucos anos, Afrânio desposara Celina, uma jovem reta e generosa que lhe aguardava o primeiro filhinho. Quanto a mim, irresponsável, encontrara na também jovem Marcela, tão leviana quanto eu mesmo, uma companheira ideal para minhas aventuras.
Entretanto, tão logo a vi, aguardando uma criança, sob minha responsabilidade direta, abandonei-a, desapiedado, embora lhe vigiasse os menores movimentos.
Nessa constante vigilância, que observei, numa manhã de junho, um automóvel que parara em frente a residência de Marcela. Na tocaia, reparei que o ocupante do veículo era meu próprio mano. Surpreso e estarrecido, encontrara, enfim, a brecha por onde solapar-lhe (destruir-lhe) a reputação, e afastei-me apressado.
Joguei e bebi, voltando à noite ao lar, onde encontrei agitação. Afrânio, durante o dia ausentara-se da loja para depositar num banco a expressiva importância de cinquenta contos de réis – fruto de nossas economias de dois anos, para realização do nosso velho plano de casa própria -, perdera a soma aludida, sem conseguir justificar-se.
Ouvi-lhe as alegações inquietantes, simulando preocupação, mas, dando largas aos meus projetos delituosos, arquitetei a mentira que deveria arruiná-lo. Chamei meu pai a íntimo entendimento e envenenei-lhe pelos ouvidos.
Relatei a meu pai que vira meu irmão em companhia de mulher menos respeitável, perdendo todo o dinheiro em casa de jogo. Afrânio logo passou ao descrédito junto a família toda, o que lhe desmantelou a existência. Por seis dias, Afrânio, desesperado procurou o debalde o dinheiro. E, ao fim desse tempo, incapaz de resistir ao escárnio (desprezo, zombaria) de que era vítima, preferiu o suicídio à vergonha, ingerindo o veneno que lhe roubou a vida física. A desgraça penetrou-nos a luta diária.
Todos, menos eu, que me regozijava com a escura vingança, renderam-se à tensão e ao desespero.
Inquirindo Marcela, meu pai soube que Afrânio a visitara por solicitação dela mesma, que se achava em extrema penúria. Nosso espanto, contudo, não ficou aí, porque, findo três dias após os funerais, um chofer humilde procurou-nos, discreto, para entregar uma bolsa que trazia os documentos de Afrânio, acompanhados pelos cinquenta contos, bolsa essa que meu irmão perdera inadvertidamente no carro que utilizara os serviços.
Minha cunhada, num parto prematuro, faleceu em nossa casa. Minha mãe, prostrado no leito, não mais se levantou e, findos três meses, após a morte dela, ralado por infinito desgosto, meu pai acompanhava-lhe os passos ao cemitério do Caju. Achava-me, então, sozinho.
Tinha dinheiro e busquei a vida fácil, mas o remorso passara a residir em minha consciência, atormentando-me o coração. Alcoolizava-me para esquecer, mas, entontecida a cabeça, passava a ver, junto de mim, a sombra de meus pais e a sombra de Celina, perguntando-me, agoniados:
- Caim, que fizeste de teu irmão?
A loucura que me espreitava dominou-me por fim... Gastei tudo o que tinha para, depois de um ano de suplício moral e de irremediável tormento físico, abandonar o corpo físico.
Já no plano espiritual tenho amargado, através de todos os processos imagináveis, as consequências do meu crime. Tenho sido um fantasma, desprezado em toda a parte, sorvendo o fel e o fogo do arrependimento tardio.
Somente agora, ouvindo as lições do Evangelho, consegui acender em minh’alma leves fagulhas de esperança..., pois à maneira de mendigo que bate à porta do reconforto e do alívio, encontro um novo caminho para a reencarnação, que muito breve me oferecerá a bênção sagrada do esquecimento. Entretanto, não sei quando poderei encontrar, de novo, meu pai e minha mãe, meu irmão e minha cunhada, credores em meu destino, para regatar, diante deles, o débito imenso que contraí.
Brevemente, voltarei ao corpo, mas reaparecerei, entre os homens, sem a graça da família, a fim de valorizar o santuário doméstico, e renascerei mudo para aprender a falar. Que Deus nos abençoe.
Chico Xavier, do livro Vozes do grande além, por diversos espíritos.
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Uma história para elucidar a importância das reencarnações: oportunidades que o Pai concede a todos os seus filhos, indistintamente, para que busquem a evolução espiritual, que lhes credenciará aos mundos ditosos, por seus méritos e esforços. A bênção do esquecimento a cada nova jornada na vida física: para que possa em novos relacionamentos perdoar e ser perdoado, como só é possível a fraternidade, o amor entre pais e filhos, irmãos, familiares e amigos. E por fim, a explicação racional para as deformidades físicas sem justificativas perante os homens, lembrando-nos sempre do Mestre: “Se teu olho for motivo de escândalo, melhor arrancá-lo e jogá-lo fora”. Por isso devemos exercitar a resignação ante as nossas limitações, sabendo que se hoje somos privados de algo, talvez tenhamos utilizado erroneamente em outras existências físicas, se convivemos com alguém em situação análoga, certamente participamos juntos nesse equívoco e hoje cabe-nos a paciência, a resignação e o auxílio necessário para a superação e êxito de todos os envolvidos. Enfim, é a Doutrina Espírita, o Espiritismo trazendo novas luzes para as nossas dificuldades e nos soerguendo ante os obstáculos, promovendo o ser humano na sua condição de falível, mas provido de todos os recursos para a retomada, desde que consciente dos seus erros, arrependido e disposto a resgatá-los todos, de acordo com os seus esforços e méritos pessoais: “A cada um segundo as suas obras”, como lecionava o Mestre.
Centro Espírita Amor e Caridade – Rua José Zortéa, 204 – CAPINZAL SC.
Palestras Públicas – Segundas-feiras – a partir das 19h50min.
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