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Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos Jornalista (MT/SC 4155)
Em preliminar, a canção “Ave Sonora”, do compositor gaúcho João Chagas Leite, ocupa um lugar singular no cancioneiro regional do Rio Grande do Sul por fundir, de modo profundo, a sensibilidade artística do músico com uma vigorosa mensagem ética e cidadã. Lançada em um contexto histórico de abertura política e redemocratização brasileira, a obra inscreve-se na tradição do canto rio-grandense que celebra a liberdade, o respeito às diferentes vozes e a defesa dos valores democráticos. Mais do que uma simples composição musical, “Ave Sonora” consolida-se como um hino gaudério à democracia porque transforma elementos simbólicos da cultura campeira em metáforas de convivência, diálogo e esperança coletiva.
No entanto, João Chagas Leite é conhecido por sua habilidade em construir pontes entre a milonga, o chamamé e outras vertentes da música regional, sempre preservando a identidade do pampa e, ao mesmo tempo, abrindo espaço para reflexões universais. Em “Ave Sonora”, essa característica ganha densidade poética. A figura da ave, frequentemente associada à liberdade, ao movimento e ao canto espontâneo, é concebida como portadora de uma mensagem que ultrapassa fronteiras físicas e ideológicas. A canção convoca o ouvinte a reconhecer no canto da ave um chamamento à consciência, à memória e ao compromisso com a justiça. Ao transformar um elemento da natureza em signo político e cultural, o compositor reafirma a potência da arte para iluminar períodos de transição e reconstrução social.
Mormente caráter democrático da obra emerge do modo como a letra articula imagens de sobrevôo e amplitude com noções de igualdade e pluralidade. A democracia, nesse imaginário poético, não é tratada como conceito abstrato ou estrutura formal, mas como experiência cotidiana que exige escuta, troca e generosidade. O canto da ave, que se espalha pelos ventos sem discriminar destinos, simboliza o direito de cada indivíduo expressar-se em sua plenitude. A sonoridade que a canção propõe, baseada no diálogo entre melodia e palavra, reforça essa ideia ao criar um ambiente musical que acolhe o sentimento de pertencimento e convoca à participação ativa na vida comunitária. Assim, a obra reafirma uma tradição gaudéria que valoriza a roda de mate, a conversa franca e o sentido de coletividade como fundamentos de uma sociedade mais justa.
Outro elemento essencial de “Ave Sonora” reside na maneira como a canção harmoniza resistência e delicadeza. Mesmo abordando temas de peso histórico, a obra não recorre ao tom panfletário; ao contrário, investe na poesia como caminho de transformação. Em vez de conclamar à luta por meio do confronto, a canção convoca à lucidez, ao reconhecimento das diferenças e à importância de manter vivo o espírito crítico. O gaúcho retratado por João Chagas Leite não é apenas o guardião de tradições, mas alguém consciente de que a cultura do pampa deve dialogar com o tempo presente. Nesse sentido, a canção reafirma a democracia como processo contínuo, que exige cultivo, tal qual se cuida da terra e se respeita o compasso da natureza.
Por conseguinte, A própria construção musical da obra, caracterizada por arranjos que evocam suavidade e profundidade, reforça a reflexão proposta pela letra. Ao privilegiar melodias que se desenvolvem com fluidez, sem rupturas bruscas, a canção sugere que a democracia se sustenta no ritmo constante das pequenas ações que compõem a vida social. Não se trata apenas de um regime político, mas de uma postura ética que se manifesta no zelo pelas relações humanas, na disposição para ouvir e na capacidade de rever escolhas. A figura da ave, portanto, não representa apenas liberdade, mas também responsabilidade: seu canto ecoa como convite a que cada um assuma seu papel na construção de um futuro mais digno.
Ademais, a recepção de “Ave Sonora” ao longo dos anos confirma sua força simbólica. Muitos ouvintes a reconhecem como um marco da música regional por sua capacidade de unir sensibilidade estética e compromisso histórico. Em rodas de violão, festivais nativistas e apresentações culturais, a canção frequentemente reaparece como lembrança de que a democracia é conquista diária e de que a arte desempenha papel decisivo na preservação da memória e da esperança. Ao mesmo tempo em que honra o legado dos que lutaram pela liberdade no Brasil, a obra interpela as novas gerações a manterem viva a chama da participação cidadã.
Em epítome, por todos esses motivos, “Ave Sonora” configura-se como verdadeiro hino gaudério à democracia. Seu valor não reside apenas na beleza da melodia ou na qualidade da poesia, mas na profundidade com que articula identidade regional e universalidade. João Chagas Leite consegue transformar o imaginário do pampa em linguagem política e afetiva, reafirmando a importância da liberdade, da pluralidade e da fraternidade na vida social. A canção oferece ao ouvinte um horizonte ético: o de que a democracia não se defende apenas por discursos ou normas, mas por gestos que brotam do cotidiano, da escuta e do respeito mútuo.
Por final, em conjuntura em que valores democráticos são postos à prova, “Ave Sonora” ressoa como lembrete de que a verdadeira liberdade canta alto, mas só floresce quando encontra terreno fértil na consciência de cada cidadão.
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