Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos Jornalista (MT/SC 4155)
Em primeiro lugar, o desenvolvimento econômico é, comumente, associado a indicadores quantitativos como o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), o aumento da renda per capita, a expansão da produção industrial, e a melhoria de infraestrutura. No entanto, essa perspectiva restrita frequentemente ignora aspectos fundamentais da existência humana, como liberdade, justiça, bem-estar subjetivo e sentido de vida. A abordagem filosófica do desenvolvimento econômico convida, portanto, a um alargamento da compreensão desse conceito, deslocando-o de uma esfera meramente técnica ou financeira para uma reflexão sobre os fins últimos da atividade econômica e sobre a natureza da prosperidade humana.
Historicamente, a relação entre economia e filosofia sempre foi íntima, embora, com o tempo, a ciência econômica tenha buscado uma pretensa neutralidade axiológica, afastando-se das questões éticas e políticas que a estruturavam em seus primórdios. Os primeiros pensadores econômicos, como Aristóteles, viam a economia subordinada à ética e à política. Para Aristóteles, a “oikonomia” – o governo da casa – visava o bem viver, e era distinta da crematística, a arte de acumular riqueza por si mesma, considerada por ele uma perversão. O filósofo grego introduziu a noção de limites na atividade econômica, distinguindo necessidades naturais das artificiais, e afirmava que a verdadeira finalidade da vida em comunidade não era apenas a sobrevivência, mas a vida boa – ou seja, uma vida guiada pela virtude.
Destarte, esse ideal aristotélico nos oferece um critério normativo importante: o desenvolvimento econômico deve estar subordinado a fins éticos mais amplos, e não pode ser tomado como um fim em si mesmo. A acumulação ilimitada de bens, a financeirização das relações humanas e a exploração irrestrita dos recursos naturais são incompatíveis com a busca do bem comum, princípio fundamental de qualquer ética filosófica do desenvolvimento. Em linha semelhante, o pensamento de Santo Tomás de Aquino, na Idade Média, reafirmou a necessidade de submeter a economia à moral, condenando a usura e advogando a ideia do “justo preço”, conceito que não visava apenas a correspondência entre oferta e demanda, mas levava em consideração o valor intrínseco dos bens e o impacto sobre as relações sociais.
Com o advento da modernidade e da ascensão do individualismo liberal, o campo econômico passou a se orientar mais pela lógica da maximização do interesse próprio do que pela realização de valores éticos coletivos. Autores como Adam Smith, embora profundamente influenciados pela filosofia moral, contribuíram para consolidar uma visão econômica centrada na autonomia do mercado. Ainda assim, em sua obra “Teoria dos Sentimentos Morais”, Smith deixou claro que o funcionamento da economia dependia da empatia e da moralidade dos agentes. No entanto, foi sobretudo a leitura parcial de sua “Riqueza das Nações” que prevaleceu, reforçando uma lógica de desenvolvimento baseada na eficiência, produtividade e competição, muitas vezes desconectada das implicações humanas e sociais desse processo.
Entretanto, a partir do século XIX, com o avanço da Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo, a economia tornou-se cada vez mais tecnicista e reducionista. O utilitarismo, com sua ênfase na maximização da felicidade ou da utilidade total, ofereceu um fundamento filosófico para justificar políticas econômicas baseadas na soma do bem-estar, mesmo que à custa da desigualdade. Para Jeremy Bentham e, posteriormente, John Stuart Mill, o objetivo da política econômica seria garantir “o maior bem para o maior número”. Todavia, essa abordagem foi criticada por não considerar a justiça distributiva nem a dignidade individual. Filósofos como John Rawls propuseram alternativas, destacando que o desenvolvimento justo deve priorizar os menos favorecidos, de modo que qualquer desigualdade só seria aceitável se beneficiasse os mais vulneráveis.
Nos tempos contemporâneos, a filosofia do desenvolvimento passou a incorporar também elementos das teorias do reconhecimento, da liberdade e da dignidade humana. O economista e filósofo Amartya Sen, em diálogo com as tradições filosóficas orientais e ocidentais, introduziu a abordagem das capacidades, propondo que o verdadeiro desenvolvimento não é simplesmente o aumento da renda, mas a ampliação das liberdades reais das pessoas para viverem a vida que valorizam. Para Sen, pobreza não é apenas falta de renda, mas a privação de capacidades fundamentais, como acesso à educação, saúde, participação política e liberdade de escolha. O desenvolvimento, nessa perspectiva, torna-se um processo de expansão das oportunidades humanas, implicando também uma transformação social, cultural e institucional.
A abordagem filosófica do desenvolvimento econômico exige, portanto, que se questione as estruturas sociais e políticas que produzem a desigualdade, a alienação e a degradação ambiental. Não se pode mais conceber o crescimento econômico como equivalente ao progresso. O avanço da economia pode, paradoxalmente, coincidir com o empobrecimento das relações humanas, com o aumento da exclusão e com a destruição dos ecossistemas, se não for orientado por princípios éticos. A crise ambiental contemporânea, evidenciada pelas mudanças climáticas, pelo colapso da biodiversidade e pela degradação dos recursos naturais, é resultado direto de um modelo de desenvolvimento baseado no extrativismo e no consumo excessivo. Neste cenário, filósofos como Hans Jonas propuseram uma ética da responsabilidade, segundo a qual o ser humano tem o dever moral de agir de forma a preservar as condições de vida das futuras gerações. O imperativo ético moderno, portanto, é frear a lógica do lucro imediato em nome da sustentabilidade a longo prazo.
A questão do sentido também ocupa um lugar central na reflexão filosófica sobre o desenvolvimento. Sociedades materialmente desenvolvidas, mas espiritualmente empobrecidas, não podem ser tomadas como modelos a serem seguidos. O filósofo francês Albert Camus, ao abordar o absurdo da existência, sugeria que a vida perde o sentido quando é reduzida à repetição mecânica e sem reflexão. Um desenvolvimento econômico que desumaniza, que promove a alienação do trabalhador e o consumo desenfreado como única fonte de felicidade, não pode ser considerado autêntico.
Outrossim, filósofos existencialistas como Heidegger alertaram sobre os perigos da técnica, que transforma tudo em “recursos” a serem explorados, inclusive o próprio ser humano.
De outro vértice, a filosofia africana e latino-americana também contribuem com perspectivas alternativas. A cosmovisão indígena, por exemplo, introduz o conceito de bem viver – ou “sumak kawsay”, em quíchua – como uma forma de desenvolvimento baseada na harmonia com a natureza, na vida comunitária e na espiritualidade. Essa visão rompe com o paradigma ocidental do progresso infinito, sugerindo que o desenvolvimento deve respeitar os ciclos naturais e valorizar os saberes tradicionais. Da mesma forma, o pensamento decolonial questiona os modelos de desenvolvimento impostos por padrões eurocêntricos, que muitas vezes ignoram as particularidades culturais, históricas e sociais das nações do sul global.
Por conseguinte, conceber o desenvolvimento econômico a partir de uma abordagem filosófica implica, portanto, recolocar o ser humano e a natureza no centro das decisões econômicas. A economia não é uma ciência neutra, mas uma prática humana carregada de valores, escolhas e consequências. O desafio contemporâneo é pensar um desenvolvimento que não seja apenas sustentável no plano ambiental, mas também ético, justo e significativo do ponto de vista existencial. A tarefa filosófica é, nesse sentido, reencantar a economia, devolvendo-lhe sua dimensão moral e política, sem a qual ela se torna uma força destrutiva.
Em epítome, a filosofia nos ajuda a compreender que o desenvolvimento econômico não pode ser reduzido a números ou estatísticas. Ele deve ser medido pela capacidade de promover a dignidade humana, a justiça social, a liberdade e o bem viver.
Por final, somente uma economia pensada filosoficamente será capaz de responder aos desafios do século XXI, promovendo uma civilização não apenas mais rica, mas verdadeiramente mais humana.
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