UM PAÍS E SEUS CABEÇAS

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- Evani Marichen Lamb Riffel (Pedagoga e Psicopedagoga).
Artigo de Evani Marichen Lamb Riffel Pedagoga e Psicopedagoga
Estimado(a) leitor(a), para ilustrar o momento atual do nosso amado Brasil, ao garimpar na biblioteca por novas leituras, deparei com a maravilhosa Edição Comemorativa dos 100 anos de Carlos Drummond de Andrade, uma coletânea de contos plausíveis.
A página 46, do citado livro e autor, estampa em orgia política o fenômeno governamental dos parlamentares de certo país, que agiam sem cabeça, essa parte tão importante do corpo, cuja ausência é notada por um deles.
Vitória, vitória... Vamos à história?
Quem conta um conto, aumenta um ponto, temo tocar no ponto mas toco por encanto, ao conto reconto fiel deste drumondiano conto:
"A Volta das Cabeças"
Naquele País, os parlamentares funcionavam sem cabeça e nem se davam conta disso. Os corpos moviam-se como se fossem dirigidos por uma central reflexiva e determinativa, no alto do pescoço, e tudo corria com normalidade- normalidade especial, não é preciso acrescentar.
Um dia, certo deputado reparou na falta de cabeça e sentiu-se constrangido. Já não fazia os gestos com a mesma perfeição, e experimentava o que se poderia chamar de dor de cabeça sem cabeça.
Convocou alguns colegas e mostrou-lhes que eles também precisavam recuperar o crânio perdido. Muita gente já observara o fenômeno e duvidava da legitimidade de representantes destituídos de parte tão importante como a cabeça.
Um dos colegas admitiu a lacuna de que padeciam todos, mas alvitrou que ela poderia ser corrigida com cabeças de papelão, que são mais leves.
-Nada disso - falou o que tivera a iniciativa da recolocação.
-Temos que repor nossas cabeças verdadeiras.
Saíram à procura das ditas, e muitos não as encontraram. Outras tinham-se convertido espontaneamente em cabeças de alfinete. Umas tantas conservavam-se intactas e foram correndo instalar-se no pescoço de seus donos.
Mas o Governo, prevenido daquele movimento, coçou a cabeça, meditou e decidiu:
-Isso é que não. Para recolocar a cabeça no lugar, preciso de autorização superior. E esta eu só dou lenta e gradualmente. Primeiro recoloque-se o queixo. Mais tarde a boca. Depois o nariz, olhos etc. Mas só um olho de cada vez. E uma só orelha também. O tampo fica para o fim. Com o correr dos dias vocês terão cabeças ótimas, até com idéias próprias.
Leitor(a), questionar, debater, argumentar, refletir é leitura obrigatória das entrelinhas de qualquer gênero textual, que se nos apresenta, representa, enreda, discorre, testemunha, documenta, registra textos verídicos ou ficcionais, fictícios...
E, agora José?!!...
Pensa, abstrai, espreme o teor do conto "A Volta das Cabeças", interroga o intelecto e veja a abrangência do conto no tempo que passou, tão antiga a edição que o vocábulo ideia, é ainda acentuado, quando sabemos que conforme o acordo ortográfico que vigora desde 2009, os ditongos abertos em palavras paroxítonas perdem o acento agudo.
Pergunto:
-Poderia ser mais atual? As cabeças voltaram? Voltam lenta e gradualmente?
A "ideia" agora, num significado Aureliano, é usada aqui num sentido mais lato, como expressão que traz implícita uma presença de intencionalidade:
-Quem reorganiza, quem comanda, quem reergue as ideias de "Um País e seus Cabeças?"
-Aquele País, geograficamente situado América do Sul, com uma extensão de 8.514.876 quilômetros quadrados, o maior da América do Sul e o quinto maior em extensão do planeta, com aproximadamente 207,7 milhões de habitantes (dados de 2016), terá quando a "Volta das Cabeças" governamentais?
-Terão cabeças e até ideias com urgência, para salvar o barco que afunda lenta e gradualmente?
"Que País é esse?" (Legião Urbana)
Nas favelas, no senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam
No futuro da nação
Que País é esse?
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