por Antonio Carlos Pereira, joaçabense, 75 anos
No século passado a estrada de ferro teve importância decisiva no abastecimento e escoamento da produção dos colonizadores da nossa região, pois as rodovias eram precárias e a travessia de mercadorias, animais e pessoas entre Joaçaba e Herval d’Oeste era feita por balsa. Por ordem do presidente Washington Luiz em 1930 foi construída sobre o Rio do Peixe a grande propulsora do progresso em toda a região Oeste de Santa Catarina, a ponte Emílio Baumgart.
De acordo com o pesquisador hervalense Marckson Kielek, ao passar por aqui no ano de 1926 retornando de uma viagem feita ao Sul do Brasil, o recém-eleito Presidente Washington Luís Pereira de Souza aceitou o convite feito por agricultores, produtores e superintendentes do alto escalão militar para participar de um almoço e logo em seguida de uma roda de conversa em que foram tratados assuntos de interesse da pacata Vila do Herval, em Santa Catarina. Ao desembarcar na estação férrea a multidão aglomerava-se para saudá-lo. Logo após o banquete, reuniu-se a cúpula presidencial com os representantes nativos e em meio a tantos assuntos surgiu um que mudaria de uma vez por todas a nossa região, pois ele foi concordou em mandar construir uma ponte sobre o Rio do Peixe, ligando Herval d’Oeste a Joaçaba.
Após três longos anos de indecisão, Washington Luís convidou o engenheiro blumenauense Emílio Henrique Baumgart para projetar a construção, pois conhecia a fama nacional e os projetos do engenheiro e lhe propôs um desafio que marcaria para sempre sua vida. Ele conhecia as dificuldades de transposição e o declive topográfico que margeava o rio e aceitou aquela oportunidade.
Emílio Henrique Baumgart havia sido o engenheiro responsável pelo projeto de estrutura do edifício do jornal carioca “A Noite” e pela construção daquele arranha-céu, o mais alto da América do Sul na época, e participou também de outros projetos notáveis como o Hotel Glória e o Copacabana Palace.
No ano de 1929 foi lançada simbolicamente a pedra fundamental para a construção de uma via sobre o Rio do Peixe, marcando o início da concretização de um sonho antigo: a travessia rodoviária que uniria as margens e impulsionaria o desenvolvimento da região. Baumgart projetou e iniciou a construção da ponte, porém ao término da concretagem dos pilares uma cheia repentina deslocou as estruturas. Depois de paralisar a obra e refazer o projeto com novos cálculos e fórmulas, decidiu aplicar o concreto armado e utilizando um processo já existente resolveu o problema do desnível entre as duas extremidades em balanço projetando a ponte em curva U, prevendo o aumento gradativo das águas do rio.
Assim a ponte foi construída de modo inovador pelo engenheiro blumenauense, que decidiu aplicar concreto armado mediante processo usado em construção de treliças metálicas, acrescentando trechos em balanços sucessivos, suportados pelas partes anteriormente instaladas e as barras de aço emendadas por meio de luvas rosqueadas. Foi utilizado algo inovador para a época, o processo Cantilever. Após a construção dos quatro pilares, colocou na altura do eixo uma rótula (rolos de ferro fundido) suportada pelos pilares em forquilhas a qual assegurava livre rotação da viga, formando um quadro hiperestático. O método escolhido evitaria momentos de flexão nas colunas.
O início da construção foi supervisionado pelo engenheiro Luiz Francisco Tedesco e por Tranquilo De Carli (pai do radioamador Flavio De Carli, que em 2007 escreveria a respeito no livro “A Ponte e o Rio”). A construção foi subsidiada pela Rede Viação São Paulo – Rio Grande e pouco tempo depois a obra foi transferida para a empresa Gusmão, Dourado & Baldassini, que trouxe operários de outros estados para iniciar os trabalhos, o que provocaria mudanças culturais, pois vieram para cá centenas de trabalhadores, alguns deles ligados ao carnaval carioca. O canteiro de obras também se tornou uma sala de aula a céu aberto, pois a construção era acompanhada por inúmeros engenheiros, alunos de engenharia e interessados, de Norte a Sul do Brasil.
Muitos criticaram a forma da construção, pois nunca tinham visto uma ponte sem escoramento ao meio. Estava sendo erguida a maior ponte do mundo em viga reta de concreto armado - sem andaime, sem escoramentos apoiados no terreno e sem cabo protendido, simultaneamente nos dois lados até o encontro no meio do rio. Num segundo momento Baumgart mandou concretar 9,27 metros em um dos lados e ao término dessa concretagem repetiam o mesmo processo na outra margem. Para o fechamento total do vão, Baumgart deixou um trecho de 3,11 metros, praticamente o dobro dos trechos em balanços de 1,545 metro, para ser concretado no local e corrigir eventuais erros. Ao perceber que ambas as partes da ponte se juntaram ao meio com perfeição, as rótulas temporárias foram inutilizadas e concretadas.
Um ano após ser iniciada a construção o dia da inauguração chegou, mas havia outro grande desafio, pois a situação política era duvidosa - Washington Luís e Getúlio Vargas travariam um duelo na famosa Revolução de 30. No dia 24 de outubro de 1930 foi inaugurada a ponte Herval-Joaçaba com 68,27 metros e sem escoramentos, sendo a primeira em viga reta, um marco para a época e um recorde mundial, em um total de 117,70 metros de uma ponta a outra. Nesse dia, coube a padres, freiras e alguns populares a incumbência de inaugurar a ponte, já que as autoridades estavam retornando do movimento revolucionário. Um mês após, em 24 de novembro, houve a reinauguração com autoridades, a comunidade e automóveis com carga máxima sobre a ponte.
Durante 53 anos, a Ponte Emílio Baumgart representou um marco na engenharia mundial por ser a primeira de concreto armado construída em balanços sucessivos, sem escoramentos apoiados no terreno. Ostentou a fama de ser a primeira, mostrando originalidade, ousadia, imponência dentro do processo construtivo. Ela viu a vila se transformar em cidade e se emancipar, participou do crescimento juntamente com a estação, viu um povo de labor intenso lutando pelo progresso imenso, viu suas margens serem alteradas com construções e a mata ser derrubada.
Na região e no estado diversos municípios foram atingidos pela enchente, que destruiu casas, lojas e indústrias, estradas e lavouras, deixando centenas de pessoas ao desabrigo, como bem lembram os moradores aqui de Capinzal e Ouro. As águas subiram 14 metros acima do nível normal e levaram casas da região, três pontes, e muito mais... A velha Ponte do Herval resistiu bravamente a grandes cheias nos anos 1939, 1950, 1960 e 1970, porém foi destruída com a violência da enchente e ruiu aproximadamente aos 35 minutos da madrugada de 9 de julho de 1983.
Com a queda da ponte a telefonia e a energia elétrica foram desativadas, pois os cabos passavam na sua lateral e os únicos meios de comunicação eram o rádio amador e a faixa do cidadão, operados por radioamadores do PX Clube Meio Oeste Catarinense, fundado em Joaçaba em 1978 para congregar os prestadores de serviços de utilidade pública no âmbito da radiocomunicação quando da falta ou falha dos meios convencionais.
As emissoras comprovaram sua grande utilidade, orientando e prestando inestimável serviço público aqui e na região, enquanto havia energia elétrica: na rádio Líder de Herval d’Oeste, Carlos Henrique Roncalio e Romeu Kovalenski; na rádio Catarinense de Joaçaba, os irmãos Ademar e Ademir Belotto realizaram um grande serviço. O radialista Ailton Viel recorda que os radioamadores entravam em contato com a Rádio Capinzal pelas unidades instaladas em veículos, nas prefeituras e nos bairros, captando as transmissões de Joaçaba e jogando no ar avisos e informações de interesse público, e os enviavam para emissoras de Caçador, Videira e Herval d’Oeste. Foram dias e noites ajudando, informando, incentivando e melhorando o astral das pessoas.
A velha ponte foi motivação para engenheiros, poesia dos poetas, tela dos pintores e inspiração para os escritores, alvo de clicks e de flashes, tornando-se a atriz principal, recebendo reconhecimento mundial; foi palco de encontros e reencontros de amigos, de namorados, de famílias, de acasos, tendo a lua como companheira inseparável. Em seu lugar, uma passarela de gosto duvidoso; abaixo desta restaram escombros e ruínas que estão às margens do Rio do Peixe e o que restou dela está sendo afogado pelas águas, engolido pela vegetação, esquecido pelas novas gerações que desconhecem sua importância histórica.
Ficaram as saudades da ponte e de seu parapeito estreito onde, na calada da noite, valentes e atrevidos moleques faziam corridas a pé e de bicicleta. Na Casa da Cultura Rogério Sganzerla, em Joaçaba, existe uma maquete da Ponte Velha feita pelo saudoso amigo e médico Iran Domingues Pizzolatti Alves.
Oitenta e três anos depois da construção da Ponte Emílio Baumgart testes de durabilidade nas ruínas atestaram a qualidade da obra, ao comprovar que existem pouquíssimas marcas de fissuras advindas de defeitos ou patologias do concreto. Os índices de durabilidade (esclerométricos) e carbono (carbonatação) apresentaram resultado superior ao esperado, apesar da pouca tecnologia da época e as variações das águas e da temperatura.
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