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VOLTANDO NO TEMPO

Os anos de chumbo (A Linguagem da Fresta na MPB) por Antonio Carlos“Bolinha” Pereira, 74 anos

Os artistas transmitem o momento da história como o percebem, mas ao historiador cabe revelar o que de fato aconteceu. As letras de muitas canções compostas nos chamados “anos de chumbo”, de meados da década de 1960 ao final dos anos 70, reforçam a ideia de que a arte é uma importante ferramenta de comunicação, com variadas mensagens. A MPB, Música Popular Brasileira, foi importante porta-voz, uma válvula de escape para o que acontecia em um período de intensa criatividade e produção artística, época em que a censura restringia o acesso da população brasileira à informação.

No período do regime militar um dos mais visados foi Chico Buarque de Hollanda, que criou até um pseudônimo, “Julinho da Adelaide”. A solução, usar o recurso da “linguagem da fresta”, recurso usado para driblar as proibições. Falando “pelas frestas”, isto é, por metáforas, driblavam os que tentavam silenciá-los.

Alguns enfrentavam a situação com bom humor, como Luiz Ayrão em Treze Anos ou O DivórcioTreze anos eu te aturo, eu não aguento mais/ Não há “Cristo” que suporte, eu não suporto mais/ Treze anos me seguro e agora não dá mais/ Se treze é minha sorte vai, me deixa em paz!

Luiz Ayrão é bacharel em direito. Compositor de sucesso, teve várias músicas gravadas por Roberto Carlos e outros. Como era praxe em 1977, ele mandou à censura para análise uma letra, com o título "Treze Anos", uma resposta aos pronunciamentos de autoridades militares que saudavam os 13 anos da revolução de 1964. É lógico que não foi liberada, mas quando a emenda do senador Nelson Carneiro legalizando o divórcio passou a ser debatida no Congresso Nacional, Ayrão trocou o título para "O Divórcio", a reenviou para a Censura e a letra original foi liberada.

Os censores não obedeciam a qualquer critério, vetavam tanto as canções de protesto por motivos políticos quanto as que feriam os costumes morais da época, ou até por não entenderem o que o autor realmente queria dizer. Assim, ao invés de “o que dizer”, o importante era “como dizer”.

Também eram censurados filmes, peças de teatro, livros, revistas, jornais. É interessante observar como a repressão despertava ainda mais o interesse dos brasileiros para a situação política do país. Quando a censura agia, o público prestava ainda mais atenção naquela obra. Ou seja, o efeito de cerceamento da liberdade criativa de compositores e autores que ousavam fazer referências ao contexto sócio-político do país era imediato.

O caso mais marcante é o de Geraldo Vandré no Festival de MPB em 1968, quando ele apresentou contundente crítica em Caminhando ou pra não dizer que não falei das flores: “...há soldados armados, amados ou não/ quase todos perdidos de armas na mão/ nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição/ de morrer pela pátria e viver sem razão.../ vem, vamos embora que esperar não é saber/ quem sabe faz a hora não espera acontecer”.

Sua composição era a favorita do público, mas os vigilantes censores exigiram que o troféu fosse entregue a outra concorrente, Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim – sem perceber que os versos traduziam a esperança dos exilados: “vou voltar, sei que ainda vou voltar”, do famoso poema "Canção do Exílio", escrito em 1843 por Gonçalves Dias, quando estudava em Portugal. A obra expressa a saudade e o amor do poeta pela sua terra natal, o Brasil, em comparação com a terra estrangeira e o desejo de regresso à pátria, exaltando a natureza e símbolos nacionais como a palmeira e o sabiá.

Taiguara, visto como compositor de canções românticas, foi um dos mais perseguidos e teve um disco inteiro proibido. Em Universo no teu corpo reclamava: Eu desisto! não existe essa manhã que eu perseguia/ Um lugar que me dê trégua ou me sorria/ Uma gente que não viva só pra si.

Em 1969 os baianos Gilberto Gil e Caetano Veloso, “convidados” a sair do Brasil, rumaram para Londres. De lá Caetano escrevia para o jornal O Pasquim, sendo saudado por Paulo Diniz em Quero voltar pra Bahia:

Eu tenho andado tão só, quem me olha nem me vê/ Silêncio em meu violão nem eu mesmo sei porque/ De repente ficou frio eu não vim aqui para ser feliz/ Cadê o meu sol dourado, cadê as coisas do meu país”.

Em 1979 Elis Regina gravou a composição O Bêbado e a Equilibrista de João Bosco e que ficaria conhecida como hino da anistia: “Meu Brasil que sonha com a volta do irmão do Henfil/ Com tanta gente que partiu num rabo de foguete/ Chora a nossa Pátria mãe gentil, choram Marias e Clarisses no solo do Brasil”.

O artista procura retratar seu tempo, seja no âmbito amoroso, social ou político. E algo novo acontecia no Brasil dentro do cenário político-social dos anos 60, tempo da Bossa Nova, da Jovem Guarda, do Rock e de tantos outros ritmos. Tempo em que jovens universitários de classe média descobriam os problemas das classes menos favorecidas, mas essa busca, essa opção buscavam uma consciência nacional moderna, ou mais atual, e enfrentavam a repressão usando a “linguagem da fresta”.

Os exemplos são muitos e o recurso era utilizado por compositores como Aldir Blanc, Chico Buarque, Caetano Veloso, Ednardo, Gonzaguinha, Taiguara e artistas de outras vertentes, como as bandas Blitz, Mutantes, Secos e Molhados, além de Benito Di Paula, Ednardo, Luiz Ayrão, Odair José, Paulo Diniz, Raul Seixas, Rita Lee, Waldick Soriano e outros artistas que sofreram a interferência da censura. Apesar da proibição, sempre apresentei essas gravações em meu programa “Os Discos do Bolinha”, pois aqui no interior as “patrulhas” são menos atuantes.

Chico Buarque escreveu o que parecia ser uma briga de namorados, e a ousada bronca de Apesar de você não foi percebida pelo censor. A mensagem só foi “decifrada” quando a vendagem se aproximava das cem mil cópias vendidas e a execução da música foi imediatamente proibida. Nesses tempos complicados que estamos vivendo, o mesmo recado parece refletir o sentimento da população brasileira em relação aos “ditadores de plantão”:

“Hoje você é quem manda falou, tá falado não tem discussão/ A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão, viu/ Você que inventou esse estado e inventou de inventar toda a escuridão/ Você que inventou o pecado esqueceu-se de inventar o perdão.

Apesar de você amanhã há de ser outro dia/ Eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia/ Como vai proibir quando o galo insistir em cantar/ Água nova brotando e a gente se amando sem parar.

Quando chegar o momento esse meu sofrimento vou cobrar com juros, juro/ Todo esse amor reprimido esse grito contido esse samba no escuro/ Você que inventou a tristeza ora, tenha a fineza de desinventar/ Você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada nesse meu penar.

Apesar de você amanhã há de ser outro dia/ Inda pago pra ver o jardim florescer qual você não queria/ Você vai se amargar vendo o dia raiar sem lhe pedir licença/ E eu vou morrer de rir que esse dia há de vir antes do que você pensa.

Apesar de você amanhã há de ser outro dia/ Você vai ter que ver a manhã renascer e esbanjar poesia/ Como vai se explicar vendo o céu clarear de repente  impunemente/ Como vai abafar nosso coro a cantar na sua frente/ Apesar de você amanhã há de ser outro dia/ Você vai se dar mal, etc. e tal, laraia laraialá”

Durante esse período da história nacional os presídios funcionavam como “recuperadores”, pois neles entraram terroristas, assassinos, assaltantes, guerrilheiros, sequestradores e saíram deputados, ministros, governadores e até dois presidentes. Isso é que é recuperação!

Veja capas de livros e outras letras censuradas em meu blog:

http://osdiscosdobolinha.blogspot.com/2021/06/a-linguagem-da-fresta-na-mpb.html

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