Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos Crítico de Arte
Lançado em 1950, “Crepúsculo de uma Raça” se configura filme que marcou a história de Hollywood ao abordar, de forma inovadora para a época, a questão indígena nos Estados Unidos. Dirigido por Delmer Daves e estrelado por James Stewart, o longa-metragem apresenta uma narrativa sobre a paz entre colonos brancos e os apaches, o que destoava dos retratos tradicionais de povos indígenas como vilões ou figuras violentas nos westerns americanos.
O filme conta a história do ex-militar Tom Jeffords (James Stewart), que tenta mediar a paz entre os colonos americanos e a tribo apache, liderada por Cochise (Jeff Chandler). A trama, que envolve uma série de diálogos entre Jeffords e Cochise, visa retratar as complexidades do relacionamento entre os nativos e os brancos, subvertendo a norma dos westerns convencionais que retratavam os índios de forma unidimensional e estereotipada.
O filme foi elogiado por apresentar os indígenas sob uma luz mais humana e por demonstrar respeito por suas culturas e tradições, algo pouco comum nas produções da época. No entanto, apesar de ser considerado progressista “Crepúsculo de uma Raça” ainda reflete as limitações de sua época. À guisa exemplo, os papéis indígenas foram, em sua maioria, interpretados por atores brancos, como Jeff Chandler no papel de Cochise. Essa prática, conhecida como “whitewashing”, é uma das críticas mais recorrentes ao filme, uma vez que a representatividade autêntica das populações nativas ainda estava ausente.
Ademais disso, a visão dos colonos brancos como "portadores da civilização" e os indígenas como "selvagens" que precisavam ser educados ou controlados ainda permeia o subtexto da narrativa, embora o filme tente romper com alguns desses estereótipos. A relação entre Jeffords e Sonseeahray (Debra Paget), uma jovem apache, também é retratada sob uma ótica que privilegia a idealização romântica do "bom selvagem" – um arquétipo comum na literatura e no cinema da época.
Posto que com esses aspectos problemáticos, “Crepúsculo de uma Raça” representou um avanço na forma como Hollywood começou a repensar a imagem dos povos indígenas. A produção foi bem recebida pela crítica, sendo indicada a vários prêmios, incluindo o Oscar, e abriu caminho para uma nova abordagem de histórias indígenas no cinema “mainstream”.
Com o curso do tempo, porém, o filme começou a ser revisitado sob a perspectiva da crítica pós-colonial e dos estudos de representatividade. O que antes era visto como um avanço foi reavaliado como uma tentativa limitada de Hollywood em abordar questões raciais complexas sem realmente dar espaço para vozes indígenas autênticas. O filme destaca a dicotomia entre o desejo de mudar o status quo e a incapacidade de ir além das normas eurocêntricas que dominavam a indústria cinematográfica.
Nas décadas seguintes, houve uma gradual mudança no tratamento da temática indígena em Hollywood. Filmes como “Dança com Lobos” (1990) e “O Novo Mundo” (2005) procuraram dar um tratamento mais respeitoso e profundo à história e cultura dos povos indígenas, ainda que continuassem a ser produzidos majoritariamente por não-indígenas. Atualmente, com a crescente pressão por maior diversidade e inclusão, a questão da representatividade indígena no cinema ganhou ainda mais relevância, com diretores e atores nativos conquistando maior espaço para contar suas próprias histórias.
O "crepúsculo de uma raça" que o título do filme sugere, ao contrário do que muitos possam pensar, não deve ser visto como o fim de um povo ou de sua cultura. Pelo contrário, o cinema moderno e os movimentos por justiça social apontam para um futuro onde as culturas indígenas são reconhecidas e celebradas em sua complexidade e resiliência, não como figuras do passado, mas como parte ativa e vital da sociedade contemporânea.
Em epítome “Crepúsculo de uma Raça” se configura em marco no cinema americano que ilustra as tentativas iniciais de Hollywood de retratar questões indígenas com um pouco mais de nuance, embora ainda limitado pelos estereótipos e pelo racionalismo estrutural da época.
Por final, o filme nos lembra do longo caminho que o cinema ainda tem que percorrer para alcançar uma verdadeira inclusão e representatividade autêntica, mas também é um testemunho de que, mesmo em um sistema restritivo, há espaço para o progresso.
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