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O TEMPO jornal de fato

RELEMBRANDO O MÚSICO PORTELLA DELAVY

Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos Jornalista (MT/SC 4155)

Primeiramente, relembrar Portella Delavy implica evocar uma das vozes mais marcantes da alma musical gaúcha — não pela sua interpretação vocal, mas pela sua criação, por sua pena que escreveu em versos simples e profundamente enraizados na vivência do povo sul-rio-grandense. Portella não cantava apenas a tradição, ele a moldava, a atualizava e a expandia, criando pontes entre o que era e o que poderia ser dentro da música nativista. Seu nome está indissociavelmente ligado à construção de uma identidade musical que ultrapassa as porteiras do Rio Grande do Sul, tornando-se símbolo de uma brasilidade rural, verdadeira e bem-humorada.

No tanto, ao falar da música de Portella Delavy, é inevitável começar pelo marco que foi “Pára, Pedro”. Este xote se tornou não apenas um sucesso de vendas, mas uma expressão cultural incorporada ao linguajar popular. Mas o que havia por trás daquela composição aparentemente simples? Um olhar atento à linguagem do cotidiano, à comicidade espontânea dos diálogos de estrada, e à sensibilidade de transformar uma expressão corriqueira em refrão inesquecível. Portella não criava personagens fictícios: ele colhia da vida real, dos causos ouvidos nos botecos e nas paradas de ônibus, a matéria-prima da sua arte. A música, nesse caso, não era apenas entretenimento, mas uma forma de eternizar a fala popular, o tipo humano típico do pampa.

Todavia, Delavy era antes de tudo um trovador — no sentido mais profundo e nobre da palavra. Ele sabia que o verso rimado, cantado no embalo da gaita e da milonga, podia carregar uma verdade tão poderosa quanto um discurso ou um manifesto. Suas canções transitam entre a alegria e a melancolia, entre a brincadeira e a denúncia, sempre preservando um respeito absoluto pelas formas da tradição. O rigor métrico da trova, o respeito pela cadência dos ritmos regionais, o cuidado com o vocabulário típico do sul — tudo isso aparece em sua obra, não como ornamento, mas como fundamento estético. Portella não fazia concessões à moda. Sua música permanecia fiel à raiz, ainda que soubesse dialogar com o novo.

Em suas composições, é possível perceber uma clara distinção entre o tradicionalismo estagnado e a tradição viva. Delavy jamais tratou a música nativista como peça de museu. Pelo contrário: ele injetava vida nela, atualizava-a sem desrespeitar suas origens. É essa capacidade de fazer o antigo soar contemporâneo que o colocou entre os grandes compositores regionais. O humor em algumas de suas letras, a crítica social implícita em outras, o lirismo que brota da contemplação do campo e da figura do gaúcho — tudo revela uma visão aguçada de mundo, envolta em simplicidade. Ele sabia que a beleza da canção nativista está, muitas vezes, em dizer o essencial com poucas palavras.

Outro traço distintivo na música de Portella Delavy é sua habilidade de criar imagens. Em canções como “Gineteada no Uruguai”, somos transportados para cenas vivas do pampa, quase como se estivéssemos assistindo a um filme. Há poeira, há cavalo, há valentia, mas também há memória e saudade. O campo não é apenas um cenário, mas uma entidade quase espiritual, um espaço simbólico que acolhe a história e a identidade do povo. Sua música funciona como um álbum de fotografias cantadas — registros sonoros de uma vida simples, porém cheia de valores.

Destarte, configura-se  impossível ignorar, também, o quanto Delavy foi importante para consolidar o estilo da música de baile no Sul. Ao lado de intérpretes como José Mendes e grupos como os Três Xirus, ele forneceu repertório que embalava desde fandangos até programas de rádio, criando um elo afetivo com gerações de ouvintes. A música nativista que se dançava nos salões de chão batido tinha, muitas vezes, versos de sua autoria. Com isso, sua obra ajudou a formar um repertório comum, uma espécie de memória musical coletiva que ainda hoje pulsa em rodeios, CTGs e encontros de trova.

Vale lembrar que, embora tenha sido um homem de palco e rádio, Portella era também um cronista disfarçado. Suas letras falam da vida como ela é: do amor e da perda, da lida no campo e das relações humanas, com um olhar que mistura ironia e ternura. Essa capacidade de observar o mundo ao redor e transformar essa observação em arte é uma das marcas de sua genialidade. Mesmo nas músicas que parecem anedóticas ou engraçadas, há uma camada mais profunda — um retrato da cultura local, das transformações sociais, dos dilemas do homem simples diante das mudanças do tempo.

Em última análise, a música de Portella Delavy sobrevive porque é verdadeira. Em um tempo em que a tradição muitas vezes é diluída por fórmulas comerciais, sua obra continua sendo uma referência de autenticidade. Não há artifício, não há pose: há apenas a palavra bem escolhida, o ritmo certeiro, o respeito pela tradição e o compromisso com a cultura do seu povo. O que ele compôs não envelheceu porque não foi feito para uma moda passageira — foi feito para permanecer.

Em epítome, relembrá-lo é reafirmar o valor da música regional não como curiosidade folclórica, mas como expressão legítima de uma identidade. Sua herança está nos versos que ainda se cantam, nos refrões que fazem sorrir, nas melodias que evocam paisagens da alma gaúcha. Portella Delavy não foi apenas um compositor de músicas do Sul: foi um escultor de sentimentos, um arquiteto do dizer simples e profundo.

Por final. a sua música, como a tradição que ela celebra, continua viva — firme, galponeira e cheia de verdade.


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