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O TEMPO jornal de fato

SAUDADES DE JOSÉ MENDES

Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos Jornalista (MT/SC 4155)

Há nomes que não se apagam com o tempo. Alguns, mesmo que breves no palco da vida, deixam rastros luminosos na história, nas emoções e nas memórias de um povo. José Mendes é um desses nomes. O gaiteiro, cantor, compositor e homem simples de Piratini, no Rio Grande do Sul, foi mais do que um artista; foi a voz de uma gente, o grito das estradas, o silêncio saudoso das madrugadas. Sua música, marcada pela autenticidade regional, por letras que retratam o amor, a terra e o destino, permanece viva, mesmo tantas décadas após sua precoce partida.

José Mendes nasceu em 1939 e, embora tenha vivido apenas 33 anos, deixou um legado que o tempo ainda não conseguiu apagar. Dono de um estilo inconfundível, com seu sotaque carregado, sua gaita inseparável e uma voz que carregava o sul do Brasil, Mendes se tornou símbolo de uma geração e precursor de uma forma própria de fazer música regionalista. Com composições que misturavam melancolia, bravura e identidade, o artista imprimiu sua alma em cada acorde e, talvez sem saber, construiu um legado que ultrapassaria sua própria existência.

A saudade que sentimos de José Mendes não é apenas da figura física do cantor, mas daquilo que ele representava. Em tempos de globalizações sonoras e uniformizações culturais, Mendes era a resistência em forma de arte. Em canções como "Não Aperta Aparício", "Pára Pedro", "Caminhando" e, principalmente, "Um Grito de Liberdade", ele expressava, com simplicidade e emoção, a vida no campo, os valores gaúchos, o amor às raízes. Era como se cada música sua fosse um retrato em movimento da vida rural, da estrada poeirenta, do chimarrão fumegante na beira do fogo. Suas letras não buscavam o luxo das palavras; buscavam, sim, a verdade do coração.

E essa verdade era o que o tornava único. José Mendes não precisava de arranjos pomposos ou de produções elaboradas. Sua gaita bastava. Seu canto sincero, ainda que por vezes triste, alcançava almas. Havia nele uma capacidade rara de traduzir o sentimento do povo em melodia. Seus fãs, muitos deles simples como ele, encontravam em sua arte uma espécie de espelho afetivo: ali estavam suas histórias, suas dores, suas esperanças. Não por acaso, seu nome se tornou sinônimo de autenticidade.

A morte de José Mendes, em um trágico acidente de automóvel em 1974, abalou profundamente o Brasil, especialmente o Sul. A comoção foi grande, e o silêncio que se seguiu à sua partida ainda hoje ecoa entre os amantes da música gaúcha. Era como se, com ele, uma parte da identidade cultural tivesse sido arrancada. A ausência de José Mendes não foi apenas a perda de um músico — foi a perda de uma voz que falava diretamente com a alma do gaúcho.

Com o passar dos anos, sua música continuou presente, mantida viva por fãs, familiares e novos intérpretes que entenderam a importância de preservar sua memória. Festivais, tributos, gravações póstumas e estudos acadêmicos passaram a resgatar e valorizar sua obra, mostrando às novas gerações que o verdadeiro artista é aquele cuja arte permanece relevante, mesmo em sua ausência. Nas rádios do interior, nos bailes antigos, nas rodas de chimarrão e nas recordações de quem viveu aqueles tempos, José Mendes ainda canta.

O sentimento de saudade que o título deste texto carrega é mais do que nostálgico; é um chamado à preservação da cultura, da autenticidade e da memória. Em um mundo onde tantos talentos são moldados por interesses comerciais, lembrar de José Mendes é lembrar da importância de ser fiel a si mesmo, às próprias origens, ao que se carrega no coração. Sua música não é apenas regional; é universal justamente por sua autenticidade. Fala de sentimentos que não conhecem fronteiras: saudade, amor, perda, alegria, luta.

José Mendes também nos ensina, com sua história de vida, que a arte não precisa de tempo para ser eterna. Em poucos anos de carreira, construiu um legado que artistas com décadas de estrada muitas vezes não conseguem alcançar. Seu carisma, sua entrega e sua verdade eram maiores que o tempo. E talvez seja isso que o eternizou. Ele não buscava aplausos fáceis ou sucesso imediato. Buscava expressar o que sentia, e nisso foi pleno.

Muitos estudiosos e críticos musicais reconhecem hoje José Mendes como uma das pedras fundamentais da música regional sul-brasileira. E, no entanto, o reconhecimento que ele merecia em vida talvez tenha vindo com mais força após sua morte. Isso, por si só, já é um motivo de reflexão. Quantos artistas, como ele, vivem à margem das grandes mídias, mas são fundamentais para a identidade de um povo? Quantas vozes, como a dele, clamam por espaço em meio ao barulho das tendências passageiras?

É por isso que devemos manter viva a memória de José Mendes, não apenas ouvindo suas músicas, mas estudando sua trajetória, valorizando seus ideais, transmitindo sua história. O legado que ele deixou não é apenas musical, é cultural, humano, afetivo. Em tempos de efemeridade, sua obra é um lembrete de que o que é feito com verdade permanece. E permanece forte.

Hoje, ao relembrarmos José Mendes, não falamos apenas de um artista que se foi, mas de um símbolo que permanece. Sentimos saudade, sim. Saudade da sua voz marcante, da sua gaita companheira, das histórias que contava em cada canção. Mas sentimos, sobretudo, gratidão. Gratidão por ele ter existido, por ter cantado como cantou, por ter nos deixado um pedaço de si em cada verso. Sua ausência é sentida, mas sua presença, curiosamente, nunca nos deixou.

A música de José Mendes continua ecoando nas estradas do sul, nos corações que ainda sabem ouvir com emoção, nas vozes dos que carregam sua inspiração. O tempo pode passar, mas certas melodias continuam intocáveis. E entre elas, estará sempre aquela gaita inconfundível, como se dissesse, baixinho: "Ainda estou aqui".


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