logo RCN
O TEMPO jornal de fato

DIA NACIONAL DO TEATRO

Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos Jornalista (MT/SC 4155)

Primeiramente, o Dia Nacional do Teatro, celebrado em 19 de setembro, representa não apenas uma data comemorativa no calendário cultural brasileiro, mas também uma oportunidade de reflexão sobre a importância histórica, social e simbólica dessa arte milenar no contexto nacional. O teatro, enquanto manifestação artística, é uma das mais antigas formas de expressão humana. No Brasil, seu desenvolvimento acompanha a formação da identidade cultural do país, atravessando diferentes períodos históricos, enfrentando censuras, adaptações, resistências e, sobretudo, inovações. A celebração da data é uma homenagem ao surgimento do primeiro teatro do Brasil, o Real Teatro de São João, inaugurado em 1810, no Rio de Janeiro. A fundação dessa casa de espetáculos marcou simbolicamente o início de uma era de institucionalização do fazer teatral no país, mesmo que as práticas cênicas já estivessem presentes desde os tempos coloniais, por meio de autos religiosos, festas populares e manifestações de rua.

Do ponto de vista histórico, o teatro no Brasil começou de forma tímida, ainda no período colonial, quando missionários jesuítas, como o Pe. José de Anchieta, utilizavam a encenação como instrumento pedagógico e catequético. Essas representações, geralmente em língua tupi ou em português arcaico, tinham o objetivo de converter os povos indígenas ao cristianismo. Eram peças com forte teor moralizante, mescladas a cantos e danças, que lançavam mão da oralidade como ponte entre as culturas europeia e nativa. Com o passar dos séculos, o teatro foi incorporando elementos da sociedade brasileira, das suas contradições e da diversidade de suas manifestações. No século XIX, com o aumento da urbanização e a ascensão de uma elite letrada, as casas de espetáculos se multiplicaram nas principais cidades do país. A dramaturgia nacional começou a se firmar, inicialmente muito influenciada pelos moldes europeus, especialmente o teatro português e francês, mas aos poucos assumindo um caráter próprio, mais voltado à realidade brasileira.

Destarte, um dos nomes centrais desse processo de consolidação foi Martins Pena, considerado o fundador da comédia de costumes no Brasil. Suas peças retratavam o cotidiano da sociedade carioca da época, com ironia e crítica social, expondo mazelas, hipocrisias e contradições da vida urbana e política do século XIX. Outro nome de destaque é o de Joaquim Manuel de Macedo, cuja peça "O Primo da Califórnia", além do sucesso de público, contribuiu para o fortalecimento da dramaturgia nacional. No final do século XIX e início do século XX, o teatro brasileiro passou a dialogar com outras formas de arte e comunicação, como o rádio, o cinema e, posteriormente, a televisão. Essa interação não enfraqueceu o teatro, mas ao contrário, impulsionou transformações formais e temáticas, dando origem a novos movimentos cênicos, como o teatro de revista, o teatro popular e, mais adiante, o teatro experimental.

De outro vértice, o século XX representou um marco fundamental para a maturação artística e política do teatro brasileiro. Nas décadas de 1940 e 1950, surgiram importantes companhias e grupos teatrais, como o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em São Paulo, responsável por introduzir técnicas modernas de encenação e formação de elenco. O TBC revelou grandes nomes, como Cacilda Becker, Paulo Autran, Tônia Carrero e Sérgio Cardoso. A atuação desses artistas foi determinante para a valorização profissional do ator e para o reconhecimento do teatro como uma arte sofisticada e de relevância intelectual. No entanto, o teatro brasileiro também se fez combativo, especialmente nos períodos de instabilidade política. Durante a ditadura militar (1964–1985), o palco tornou-se espaço de resistência e denúncia. Grupos como o Teatro Oficina e o Arena ousaram em sua linguagem e postura crítica, enfrentando a censura e a repressão por meio da arte. Nomes como Zé Celso Martinez Corrêa e Augusto Boal são incontornáveis nesse contexto. Boal, criador do Teatro do Oprimido, desenvolveu uma metodologia teatral voltada à transformação social, na qual o espectador deixa de ser passivo para se tornar protagonista de sua própria história. Sua proposta influenciou gerações de artistas, educadores e militantes em diversas partes do mundo.

O Dia Nacional do Teatro, portanto, não é apenas uma celebração da arte cênica como entretenimento, mas também de sua potência educativa, formativa e revolucionária. O teatro, em sua essência, é encontro. Encontro de corpos, de vozes, de histórias e de afetos. É a única arte em que o artista e o público compartilham o mesmo tempo e o mesmo espaço, experienciando juntos o instante da criação. Em tempos de virtualização da vida, esse aspecto do teatro se torna ainda mais valioso e necessário. Nos últimos anos, mesmo diante das dificuldades impostas por cortes de verbas, esvaziamento de políticas públicas para a cultura e as consequências da pandemia de Covid-19, o teatro brasileiro mostrou sua capacidade de adaptação e sobrevivência. Artistas e coletivos encontraram novas formas de produção e difusão, utilizando plataformas digitais, criando espetáculos virtuais e explorando outras linguagens híbridas. Essas experiências, ainda que emergenciais, abriram caminhos para repensar a relação entre o teatro e seu público, ampliando horizontes e questionando fronteiras entre o palco e a vida.

Outrossim, celebrar o Dia Nacional do Teatro implica reconhecer a importância de políticas públicas que garantam o acesso à cultura e valorizem os trabalhadores da arte. O teatro é feito por uma cadeia diversa e complexa de profissionais: dramaturgos, diretores, atores, figurinistas, iluminadores, cenógrafos, técnicos, produtores e muitos outros. Cada espetáculo envolve uma multiplicidade de saberes e esforços coletivos. A formação em artes cênicas, a existência de editais de fomento, a manutenção de teatros públicos e a descentralização dos recursos culturais são elementos essenciais para que o teatro continue sendo uma ferramenta de transformação e reflexão social. Além disso, o teatro nas escolas, como instrumento pedagógico e de desenvolvimento da criatividade, deve ser incentivado, não apenas como atividade extracurricular, mas como parte integral do processo educativo.

O futuro do teatro brasileiro depende do reconhecimento de sua relevância no presente. A data de 19 de setembro deve ser vista como um marco de mobilização, de debate e de fortalecimento da cena cultural nacional. Ela convida a sociedade a olhar para os palcos do país com mais atenção, a ocupar os teatros, a prestigiar produções locais, a apoiar artistas independentes e a compreender que o teatro é um direito cultural de todos, não um privilégio de poucos. Em um país de dimensões continentais e de enorme diversidade cultural, o teatro pode ser um espelho crítico da realidade, um espaço de sonho e um instrumento de cidadania.

Em epítome, insta lembrar de que o teatro, embora seja uma arte coletiva, depende de um público ativo, disposto a se deixar afetar, questionar e transformar. Ir ao teatro é um ato político e poético. É reafirmar a necessidade do sensível em um mundo cada vez mais automatizado.

Por final, faz-se mister declarar que, malgrado a todas as dificuldades, ainda se acredita na força da palavra, no gesto do ator, na magia da presença e na insubstituível beleza do encontro.


O TEMPO jornal de fato desde 1989: 

https://chat.whatsapp.com/IvRRsFveZDiH1BQ948VMV2

https://www.facebook.com/otempojornaldefato?mibextid=ZbWKwL

https://www.instagram.com/invites/contact/?igsh=4t75lswzyr1l&utm_content=6mbjwys

https://youtube.com/@otempojornaldefato?si=JNKTM-SRIqBPMg8w  

EXPOSIÇÃO Anterior

EXPOSIÇÃO "MITOS DA ILHA DE CRETA"

O DIA DO GAÚCHO Próximo

O DIA DO GAÚCHO

Deixe seu comentário